Zombie - The Pretty Reckless

"i'm not listening to you i am wandering right through existence with no purpose and no drive 'cuz in the end we're all alive, alive..."
( Zombie - The Pretty Reckless )

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Quinta Lição


Não é necessário ser "Alice" para desobrir em algum momento da sua vida, que não existe um País das Maravilhas, muito menos que essa seja a sua quinta lição. Não existe um país, muito menos um estado, menos ainda uma cidade, nem um emprego, nem uma casa... Aquilo que é maravilhoso, é ideal, como os gases perfeitos que você teve que aprender na quimica do ensino médio, algo inexistente, sonhado, inalcansável. Alguns momentos na sua existência, esse estado ideal, pode QUASE existir, mas nunca vai ser pleno. Uma justificativa plausível para isso? Pergunte para outra pessoa e me conte depois, adoraria saber. Para resumir o pouco que sei, essa falta de maravilhas se chama vida.

Vivemos em desigualdades, irrealidades, que algumas religiões denominam de karma, evolução espiritual, pagamento dos pecados, etc. Mas no fundo ninguém pode dizer o motivo de tanta desparidade no mundo, tanto sofrimento, tanta luta em vão. Ao olhar o sorriso de alguém que sorri por estar vivo, reflito, como ficamos tão felizes por habitarmos um pedaço insignificante de terra? É, nós seres humanos somos estupidamente complexos, porém para isso só enxergo uma razão, vivemos porque nos apegamos a pessoas. Por mais gananciosa, mesquinha, errada que você seja, ALGUÉM para você é essencial e se a razão não está em alguém, está em algo. Devo destacar que na segunda opção, é uma razão um tanto quanto curta e insignificante, deixo a dica: Seja alguém para alguém.

Assim, não importa quantas lições você aprenda, algo irá ser reconfortante, gratificante e até mesmo indispensável na sua jornada de vida.

Pelo Ralo


Os pratos estão empilhados de um dos lados da pia numa torre irregular, equilibrando-se uns sobre os outros, como os destroços de um prédio bombardeado ameaçando cair. Estão sujos. Muito sujos. Foram deixados ali já faz algum tempo, e os pedaços de detritos sobre eles se cristalizaram, tomando formas absurdas, surreais. Há grãos e lascas, restos de folhas amontoados. Copos e tigelas, também empilhados num desenho caótico, exibem a superfície maculada, cheia de nódoas, e o metal das panelas, chamuscado e sujo, lembra a fuselagem de um avião incendiado. Mas há mais do que isso. Há talheres por toda parte, lâminas, cabos, extremidades pontiagudas que surgem por entre os pratos, em sugestões inquietantes. E há ainda a cratera da pia, onde outros tantos pratos e travessas, igualmente sujos, estão quase submersos numa água escura, como se, num campo de batalha, a chuva tivesse caído sobre as cinzas. O cenário é desolador.

A mulher se aproxima, os olhos fixos na pia. Suas mãos movem-se em torno da cintura e caminham até as costas, levando as tiras do avental. E a mulher abre a torneira. Encostada à pia, espera, tocando a água de vez em quando com a ponta dos dedos. (...) A mulher começa a lavar. Esfrega com vigor, começando pelas travessas que estavam imersas, pegando em seguida os copos e, por fim, os pratos. Vai acumulando-os, de um dos lados da pia, num trabalho longo, árduo. E só depois se põe a enxaguá-los, deixando que a água escoe, levando consigo o que resta dos detritos. De repente, a mulher sorri. As pessoas não acreditam, mas ela gosta de lavar louça. Sempre gostou. A sensação de água nas mãos, seu jato carregando as impurezas, são para ela um bálsamo. “É bom assistir a essa passagem, à transformação do sujo em limpo”, ouviu dizer um dia um poeta. Ficara feliz ao ouvir aquilo. Só então se dera conta do quanto havia de beleza e poesia nesses gestos tão simples.

Mas agora a mulher suspira. Queria poder também lavar os erros do mundo, desfazer seus escombros, apagar-lhe as nódoas, envolver em sabão todos os ódios e horrores, as misérias e mentiras. Porque, afinal, do jeito que as coisas andam, é o próprio mundo que vai acabar – ele inteiro – descendo pelo ralo.

Heloísa Seixas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23/09/2001